top of page

Psicologia Positiva: uma nova abordagem para a Psicologia Escolar

  • Foto do escritor: Cape Psicologia
    Cape Psicologia
  • 1 de jul.
  • 9 min de leitura

por Vivien Rose Böck, psicóloga e diretora do CAPE      


A Psicologia Positiva é um enfoque relativamente novo, apesar de muitos profissionais já atuarem neste sentido. Mas foi a partir de 1998, através do psicólogo Martin Seligman que ela começa a ser estudada como nova possibilidade teórica e prática.

             

O que é a Psicologia Positiva?


A Psicologia Positiva estuda o funcionamento saudável das pessoas, grupos e instituições, preocupando-se em fortalecer as competências ao invés de focar e corrigir as deficiências. Seu objetivo não está em negar o sofrimento e as situações de risco, mas entende que também é necessário estudar a resiliência, a construção de competências e as virtudes pessoais e institucionais. Sem dúvida, é fundamental preocupar-se com o que prejudica e cria dor para as pessoas e os grupos sociais, mas também sem dúvida, se ater somente a estes aspectos resulta em um olhar atrofiado e parcial, sendo, portanto, não completo e deficitário à saúde mental. Vejam bem, não se trata de desconhecer as patologias humanas, o que redundaria numa alienação, mas de conferir a mesma importância às competências saudáveis tanto quanto às suas dificuldades.


E na escola?


Vamos a alguns exemplos deste olhar e comportamentos atrofiados nas escolas:

  • Quando os pais são chamados à escola para conversarem com os professores ou com o SOE, provavelmente o assunto será sobre as dificuldades do aluno.

  • Quantas vezes os pais dos alunos com sucesso escolar são convocados pela agenda para receberem elogios sobre o filho?

  • Quanto tempo, em conselhos de classe, se gasta discutindo e ouvindo queixas dos professores em relação aos alunos com baixo rendimento escolar ou dos com dificuldade de limites?

  • E quanto tempo é dispendido, nestes mesmos conselhos, para entender os alunos com adequado rendimento e comportamento?


Isto também vale para os professores, ouvindo-os nas salas de professores, contam mais de seus problemas com as turmas do que suas vitórias em resgatar alunos ou em suas aulas significativas e produtivas. Ao final do ano letivo, os professores contam quantos alunos vão rodar com eles, não quantos vão passar com eles.


Isto se aplica também à instituição escola que se sente frequentemente impotente aos desafios que encontra e passa a se queixar e a se vitimizar, não conseguindo enxergar, descobrir ou construir através de suas próprias forças internas, condições de mudança e superação.


É patente neste enfoque, o reconhecimento de que as abordagens tradicionais centradas nos problemas e “no que está mal” estão associadas ao sentimento de “culpa” e estimulam a resistência à mudança. E é para este contexto que a Psicologia Positiva propõe que se gaste menos energia em achar culpados e sim em direcioná-la para arregimentar e organizar as redes de apoio e de sobrepor-se e de se construir positivamente frente às adversidades.


Neste sentido surge o conceito de resiliência que se caracteriza por um conjunto de processos sociais e intrapsíquicos que possibilitam à pessoa ter uma vida saudável num meio adverso. Muitas vezes os professores, que se queixam de determinados alunos, ao tomarem conhecimento da vida que eles levam em casa ou das necessidades que enfrentam, comentam: até que ele está muito bem pra tudo que enfrenta! Quantos professores têm uma história bem complicada e que se apresentam dispostos e conseguem manter o bom humor e dar boas aulas? As instituições também são resilientes, temos escolas públicas, no mesmo bairro, com diferentes índices de rendimento escolar e de  diferentes níveis de violência. E é isto que a Psicologia positiva busca estudar: como conseguem se superar, o que dá certo nestes exemplos, como ocorre a resiliência?

 

Fatores de proteção

 

A resiliência não emerge de qualidades raras ou especiais, mas surge de fatos cotidianos e usuais no qual fatores de proteção têm a função de interagir com os eventos da vida e acionar processos que possibilitem incrementar a adaptação e a saúde emocional. Os fatores de proteção podem desencadear processos de resiliência. Segundo Rutter (in Polleto; Koller, 2008),” fatores de proteção referem-se a influências que modificam ou alteram respostas pessoais a determinados riscos de desadaptação”. Eles reforçam a atitude de resgatar e fortalecer as dimensões sadias dessa pessoa, as quais possibilitam luta e superação das situações de risco. (Polleto; Koller, 2008).


Vários são os fatores de proteção como: características pessoais (boa autoimagem, confiança, autonomia), bons vínculos familiares e rede de apoio social, sendo que para crianças e jovens a escola se constitui na instituição social mais próxima e significativa.

A escola é um dos espaços de resiliência mais potentes que a sociedade pode ter porque reúne pessoas em uma perspectiva de desenvolvimento humano. E ela possui funções que vão além da construção e transmissão de conhecimentos.

 

A escola por si não configura um fator de proteção, algumas vezes se torna um fator de risco como nos fenômenos de bullying entre colegas; os professores autoritários e intolerantes, que humilham seus alunos; com métodos didáticos ultrapassados e sem significado, etc. Como também pode ser um fator de risco para os próprios  professores e demais profissionais que lá atuam, resultando no mal-estar dos professores, burnout e desistência. A escola também pode ser neurotizante. Situações importantíssimas de serem estudadas e combatidas.

 

Mas como tornar a escola um fator de proteção, formadora de resiliência?

 

 Os exemplos e incentivos são fundamentais na formação do aluno (que o professor seja generoso nos elogios e comedido nas críticas) assim também no acolhimento de suas demandas.

 

Criar espaços para trabalhar:

  • - com as emoções positivas, amizade, alegria, tolerância e não apenas com a catarse de conflitos;

  • - com as virtudes;

  • - explorar temas como felicidade, esperança, solidariedade;

  • - trabalhar com construção de competências;

  • - ouvir as histórias de superação dos próprios alunos;

  • - pontuar o desenvolvimento escolar tanto dos alunos que alcançam bom rendimento como daqueles que, se não alcançaram o necessário, mas que foi expressivo frente ao ponto em que estavam,

 

Aqui me lembro de um procedimento adotado por uma amiga, orientadora educacional. Ao final de cada trimestre ela enviava para casa dos alunos, uma carta, parabenizando-os e a seus pais pelo desempenho alcançado, em função de boas notas ou do desenvolvimento expressivo desde a última avaliação. O retorno dos alunos foi excelente, pois entenderam que era um estímulo para o esforço, para o que deu certo.

 

Outro exemplo de como a escola pode ser fator de proteção, verifica-se nos alunos que retornam à escola mesmo quando não têm atividades escolares. Vão para se encontrar com outros colegas, para jogar bola ou para namorar. Outros ficam pela escola, perambulando, sem objetivo claro. São alunos que muitas vezes ficariam sozinhos em casa, porque os pais estão trabalhando ou porque o “clima em casa é muito pesado”. E para a surpresa das diretoras, frequentemente são alunos com muitas reclamações de comportamento e que apesar disso voltam à escola mesmo quando não precisam. A escola, nestes momentos, não representa uma instituição de ensino, nem apenas um lugar de lazer. É também um espaço onde o jovem se sente protegido, onde sabe que há pessoas se preocupam com ele. Um local conhecido, onde mesmo que seja repreendido, a repreensão é sentida como proteção. Na escola, eles se sentem em casa. É como se fosse um colo gostoso, protetor e amigo.

 

Outra proposta importante a ser adotada pela escola, a partir da Psicologia Positiva é o de agendar entrevistas com os pais dos alunos que não preocupam, daqueles que apresentam bom rendimento, adequado relacionamento e comportamento na escola. Estas famílias e estes alunos merecem esta consideração, pois se esforçam, acompanham as tarefas escolares, respondem às solicitações da escola. Imaginem o clima prazeroso desta entrevista, pais recebendo elogios do filho e que vão elogiá-lo em casa. Esta professora também vai ser vista com admiração, vai também ter, provavelmente um feedback positivo desta família. O vínculo professor/aluno tende a se fortalecer, a professora fica feliz em poder relatar situações positivas, pais e filhos sentem-se felizes por serem reconhecidos.


Mas a escola só tem tempo para os que têm problemas e então há somente desgaste nas entrevistas de pais com professores. As famílias se queixam que a escola só os chama para se queixar.

 

Por outro lado, a escola também precisa ser formadora de resiliência para os professores e demais profissionais que lá atuam. A crescente desmotivação que domina a maioria dos professores geram elevados índices de absenteísmo, abandono da profissão e adoecimento. Novamente a Psicologia deve se preocupar com a síndrome de Burnout. Na minha própria dissertação de mestrado em que trabalhei com a técnica de grupo operativo como intervenção na síndrome de Burnout, a principal estratégia de enfrentamento ao desgaste profissional indicada pelos professores foi o apoio social e emocional do próprio grupo docente e da equipe pedagógica da escola.    Portanto, a resiliência não é um atributo especial de alguns professores, mas pode ser consolidada na ação docente, e que o ambiente resiliente da ação pedagógica cresce quando existe um suporte afetivo e emocional necessário para que as pessoas trabalhem em constante clima de aprendizagem (Fajardo, I.N., Minayo, M.C. S., Moreira, C. O. F., 2010).

 

Assim, vejo como fundamental para a formação de resiliência docente, a instituição de grupos operativos regulares na escola, coordenados por psicólogas escolares onde se possa entre outras propostas, estimular o apoio social e emocional e através das trocas de experiências, valorizar o que vai bem na ação docente sem negligenciar o atendimento às dificuldades.

 

Por que as vitórias docentes são pouco faladas? Por que os sucessos não são verbalizados e, às vezes, nem conscientizados? Ora, se o professor tem o poder de desfazer de um aluno, de humilhá-lo, ele, por outro lado, na maioria das vezes, é co-responsável pelos sucessos escolares, pelas boas lembranças que ficam da vida escolar e por servir de modelo de ser humano que vale a pena ser seguido.

 

A cultura positiva de valorização pode ser estendida para os alunos e seus pais


Assim como os professores devem agendar entrevistas para falar dos bons resultados dos alunos também as famílias devem ser incentivadas, pelos setores da escola, SOE e coordenação, para agendarem, por sua vez, entrevistas para reconhecer o bom ensino ou o bom modelo dos professores que são admirados e comentados em casa pelo filho. Esta valorização, obviamente, tem de ser genuína, pois o docente saberá discernir o verdadeiro elogio de uma bajulação.


A atitude da família de procurar o professor unicamente para parabenizá-lo e agradecer pelo bom trabalho realizado é surpreendente para os docentes. Ficam sem saber o que fazer, desconfiados esperando quando virá a reclamação.


Em uma dessas raras ocasiões, em que uma mãe agendou com a professora de sua filha para elogiá-la, a docente que sempre registrava a entrevista em uma ata, como muitas escolas fazem, disse que não sabia o que escrever e que deixaria em branco, sem assunto.  Com a insistência da mãe, para que cumprisse com a norma escolar, ela primeiro fez um rascunho e o mandou para a mãe ler e concordar. E essa professora era reconhecida por sua competência por vários pais, mas que nunca a haviam procurado para lhe dizer.


Tanto pais como os professores não tem a cultura da positividade, o que faria muito bem para todos.


A valorização do bom trabalho docente também deve se estender aos alunos. Através dos setores, devem-se incentivar os alunos a se conscientizarem da importância que este profissional, como os demais na escola, tem em sua formação. Além disso, a reflexão e o elogio aos professores com bom vínculo com os alunos, com adequado domínio da turma, que ministram aulas interessantes e significativas podem se tornar um hábito na escola. Isto só é feito nas formaturas quando se escolhem os paraninfos ou homenageados e aí tão poucos são os reconhecidos. De forma alguma, estes procedimentos devem ter caráter de avaliação dos alunos sobre os docentes, mas sim de uma conscientização e valorização espontânea e no cotidiano escolar.

 

Para terminar, não poderia deixar de mencionar a resiliência de muitas instituições escolares, que conseguem ser um oásis de superação em meio às queixas paralisantes que contaminam as demais escolas. Muitos exemplos teríamos, mas o mais emblemático e recente diz respeito à escola municipal de Eldorado do Sul.      Ela foi praticamente toda incendiada e 9 adolescentes foram apontados como os autores do crime. Jovens com idade entre 16 e 17 anos, repetentes e que estão nos 6º e 7º anos, com histórias de atos violentos anteriores. Sendo que apenas um dos 9 adolescentes não possuía vínculo com a escola.


A principal perda neste incêndio foi quanto aos instrumentos da banda marcial da escola. A imprensa mostrou a desolação dos integrantes da banda e dos professores. Tanto ensaio perdido e em meados de agosto, tão próximo do 7 de setembro, quando desfilariam junto com toda a escola. Mais um caso de violência escolar, 9 alunos acabando violentamente com o orgulho de toda a escola. Devemos parar e atender e entender estes alunos infratores. Eles precisam de ajuda e a escola também deve se questionar qual a sua responsabilidade junto à formação destes jovens.


Mas diferentemente dos demais casos de violência escolar, o que mais chamou a atenção neste caso foi a capacidade de superação da comunidade escolar, pois através do envolvimento de todos, alunos, professores, pais e comunidade, conseguiram levantar fundos e doações para repor os instrumentos musicais queimados e continuaram seus ensaios e orgulhosos desfilaram em 7 de setembro.


Atender as dificuldades não exclui valorizar os sucessos, ambos têm importante participação na construção de saúde mental. A Psicologia Positiva contribui com o processo de ensino/aprendizagem valorizando e compreendendo as experiências positivas, as resiliências no contexto escolar e a construção de competências, virtudes e habilidades pessoais e sociais.


Todos têm histórias pessoais de resiliência, algumas com maior extensão que outros e a pergunta que deixo é que cada um responda a si próprio ou que queira compartilhar: em que momento, em que situação vocês fizeram a diferença positivamente?

 

--------------------

Se você quer saber mais como aplicar a Psicologia Positiva na escola, conheça nossa Especialização em Psicologia Escolar e Educacional, em que temos um módulo dedicado sobre as teorias da Psicologia aplicadas no contexto escolar.



 
 
 

Comments


Entre em Contato

E-mail: cape@capepsi.com.br

Whatsapp ou telefone: (51) 3516.5681

Escreva seu e-mail no campo abaixo para receber notícias e avisos de abertura de cursos:

Siga-nos no facebook:

CAPE - Centro de Aperfeiçoamento em Psicologia - cape@capepsi.com.br 

bottom of page