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Autismo e inclusão na educação infantil

Crenças e senso de autoeficácia são constructos da Psicologia do Desenvolvimento que podem contribuir para a compreensão dos fatores que influenciam a prática pedagógica do professor, sobretudo na questão da inclusão. Crenças devem ser entendidas como construções da realidade, maneiras de perceber o mundo e seus fenômenos; são resultantes de um processo interativo de interpretação e (re)significação constantes das relações do indivíduo com o seu meio (Barcelos, 2006). Portanto, as crenças são sociais, dinâmicas, contextuais, paradoxais e co-construídas pela experiência. No contexto escolar, as crenças parecem ter uma influência no processo ensino-aprendizagem e são denominadas de “crenças educacionais”, pois se caracterizam por ideias, julgamentos e valores a respeito de temas relacionados à educação, que se manifestam, de forma consciente ou não, através da prática pedagógica do professor (Bzuneck & Sales, 2011; Moreira & Monteiro, 2010; Scheifer, 2009). As discussões sobre a relação entre crenças e prática pedagógica ganham relevo no contexto das diferenças, especialmente nos casos que mais desafiam a prática do professor, como o autismo, por exemplo.

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O Transtorno do Espectro Autista (TEA) caracteriza-se por uma síndrome comportamental que apresenta comprometimentos nas áreas da interação social e da linguagem/comunicação, além da presença de comportamentos repetitivos e estereotipados, [American Psychiatric Association (APA), 2013]. Estes comportamentos podem ser expressos de diferentes formas: na brincadeira, geralmente repetitiva, por carecer de criatividade e espontaneidade; na fala, que pode ser ecolálica, quando presente; e no desenvolvimento motor, comumente caracterizado por repetições de movimentos, involuntários e sem aparente função (e.g. rituais e maneirismos) (Bosa, 2002).

As manifestações das dificuldades no autismo poderão variar de acordo com o nível desenvolvimental e a idade cronológica da criança, entre outros fatores (APA, 2013). Além disso, quanto maior o comprometimento cognitivo, maior a tendência a isolar-se e a não se comunicar (Klin, 2006), pela dificuldade em compreender as interações sociais. No entanto, a ideia de que a criança com autismo não demonstra afeto e é inquestionavelmente distante e não-comunicativa, não tem sido respaldada por evidências empíricas (Bosa, 2002). De fato, estudos têm revelado, por exemplo, a capacidade dessas crianças para desenvolver relações de apego a seus cuidadores e de responder à interação social em diferentes contextos (ver Sanini, Ferreira, Souza, & Bosa, 2008, para uma revisão; Sanini, Sifuentes, & Bosa, 2013). Muitas vezes, o desconhecimento sobre as potencialidades e os limites de uma criança com autismo gera descrença acerca do seu desenvolvimento e da sua capacidade de aprendizagem. Isso pode reduzir o investimento em suas potencialidades e reforçar mitos, tais como o de que é uma criança que “vive em um mundo próprio”, alheio ao que ocorre ao seu redor (Goldberg, 2002).

De acordo com Bosa (2002), o comportamento social de crianças com autismo, mais do que um isolamento“proposital” parece decorrer, também, dentre outros aspectos, da dificuldade em compreender as intenções das outras pessoas – habilidade conhecida como Teoria da Mente (Baron-Cohen, 1991). O desenvolvimento desta habilidade permite compreender e deduzir o comportamento das outras pessoas em função de suas intenções. A contrapartida disso é a dificuldade da criança com autismo fazer sentido do que os outros pensam, querem e desejam dela. As implicações disso na rotina escolar, por exemplo, são óbvias. Por isso, quanto maior a clareza na comunicação direta com a criança, maior será o seu entendimento social e, consequentemente, maior a sua participação nas atividades (Bosa, 2006; Cardoso & Fernandes, 2006; Lopes-Herrera & Almeida, 2008).

Estar ciente destes modos peculiares de se situar no mundo permite aos educadores criar e desenvolver a sua prática, respeitando e compreendendo essas particularidades. Estudos que investigaram as crenças dos professores sobre seus alunos com autismo, na escola comum, demonstram a influência das crenças do professor nesse processo (Cacciari, Lima, & Bernardi, 2005; Murray, Ruble, Willis, & Molloy, 2009; Robertson, Chamberlain, & Kasari, 2003). Por exemplo, no estudo de Robertson et al. (2003), quando a relação entre o professor e seu aluno com autismo era positiva, isto é, baseada na aceitação desse aluno, este tendia a ser mais aceito socialmente por seus colegas, em sala de aula.

Acredita-se que a noção de “aceitação do aluno”, por parte do professor, parece depender de vários fatores, tais como: a sua formação, as políticas de inclusão, a concepção de deficiência e de autismo que possui e, também, do tipo de relação que se propõe a estabelecer com o aluno: se com os seus “sintomas” ou com a criança que constitui este aluno. Optar por uma ou outra forma de se relacionar parece fazer diferença no trabalho do professor junto a este aluno. Tal aspecto pode ser verificado no estudo de Cacciari et al. (2005), que analisou o trabalho desenvolvido por uma equipe interdisciplinar de saúde mental junto aos profissionais de educação que C. Sanini, C. A. Bosa Estudos de Psicologia, 20(3), julho a setembro de 2015, 173-183 trabalhavam com inclusão, em instituições regulares de ensino. Neste estudo, uma educadora, que participou do estudo e recebeu o acompanhamento, demonstrou que na relação com sua aluna com autismo o que se sobressaiu foi a suposta patologia da criança, impedindo um trabalho efetivo, baseado nas necessidades da criança e da turma. Desta forma, foi possível observar que as expectativas e as crenças do professor a respeito de seus alunos podem afetar negativamente os seus objetivos junto a eles, comprometendo o processo de ensino-aprendizagem (Musis & Carvalho, 2010; Sadalla et al., 2005; Silva, 2003).

Outro aspecto igualmente importante, que parece influenciar o trabalho do professor, é o seu senso de autoeficácia. De acordo com Bandura (1977; 1997), a autoeficácia caracteriza-se pela crença de uma pessoa em sua habilidade para desempenhar atividades que possibilitem alcançar o resultado almejado, isto é, quão confiante a pessoa se sente em relação a este trabalho.

Bzuneck e Guimarães (2003) verificaram que o senso de autoeficácia do professor está relacionado à crença na possibilidade de organizar e implementar ações que permitam alcançar resultados acadêmicos, influenciando a motivação e o bem-estar pessoal no seu trabalho. Schwarzer e Hallum (2008) complementam esta ideia ao considerarem a autoeficácia como um recurso pessoal, que pode proteger o professor de experiências de trabalho tensos e estressantes. Isso porque são essas crenças que farão a diferença na forma como a pessoa pensa, sente e age. Ou seja, as expectativas de autoeficácia irão determinar quando iniciar uma ação, quanto esforço será empregado nessa ação e por quanto tempo esse esforço será sustentado frente aos obstáculos e às experiências frustrantes. Uma criança com autismo pode despertar sentimentos de frustração no professor pelas dificuldades de comunicação, resistência à novidade e facilidade com que se desorganiza diante de desafios (Goldberg, 2002; Marocco, 2012). Suas tentativas de participação e interação social nem sempre são facilmente percebidas, seja porque fogem ao convencional ou porque são “tênues”, isto é, revelam-se em pequenos detalhes (Marocco, 2012).

Grande parte dos estudos sobre crenças educacionais e de autoeficácia do professor focalizam a experiência deste nas etapas mais avançadas do ensino. Entretanto, é a educação infantil que representa um grande desafio para o professor porque é nessa etapa que geralmente a família recebe o diagnóstico de autismo. Desta forma, é a professora desse nível de ensino quem primeiro deve lidar com o impacto desta experiência.

A educação infantil assinala, naturalmente, o ingresso de toda criança em um grupo social, longe da proteção da família. Isso engendra novas formas de relacionar-se e de comportar-se, ampliando o repertório de experiências da criança, mas também seus medos, assim como os da família. Consequentemente, esse processo, no caso da inclusão, representa um desafio duplo para o professor. De acordo com De Vitta, De Vitta e Monteiro (2010) a educação infantil é importante para o desenvolvimento de qualquer criança, especialmente para aquelas com necessidades educativas especiais, o que inclui o autismo. Há evidências na literatura sobre a importância da educação infantil no desenvolvimento de crianças com autismo. O estudo de Höher-Camargo (2007), por exemplo, que investigou o perfil de competência social de uma criança pré-escolar com autismo, em situação de inclusão escolar, em relação a uma criança com desenvolvimento típico, mostrou evidências de competência social na criança com autismo, já que as diferenças encontradas em relação às crianças decorreram mais em função da menor frequência/intensidade dos comportamentos apresentados pela criança com autismo do que da sua ausência per se. Deste modo, estes estudos apontam para a importância da ampliação das investigações sobre a experiência de professores, alunos e famílias, em situação de inclusão, na área do autismo.

Introdução do artigo “Autismo e inclusão na educação infantil: Crenças e autoeficácia da educadora” de autoria de Cláudia Sanini (doutora em psicologia e professora do CAPE) e Cleonice Alves Bosa, publicada em setembro do ano passado na revista Estudos de Psicologia – Estudos de Psicologia, 20(3), julho a setembro de 2015, 173-183. Para visualizar o artigo na íntegra, clique aqui.

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