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A Liberdade que vem do Limite

Atualizado: 26 de jun. de 2020

Por Tatiana Buchabqui, especialista em Psicologia Escolar pelo CAPE


            Vir a saber que a castração é, apesar de produtora de ansiedade, protetora do Eu que aos poucos vai se formando foi uma das lições mais marcantes que aprendi na faculdade. A criança vive um primeiro momento-fantasia (necessário) de que é um só com a mãe e descobre, através da entrada de um terceiro, que passará a vida tentando reaver um encontro que nunca existiu de verdade. Mas é isso que faz com que ela venha a ter o “cheirinho” ou o bico de estimação (objeto transicional) e, mais tarde, todos os objetos catexizados que compõem sua capacidade de sonhar e construir as bases para chegar mais perto daquilo que poderá lhe produzir felicidade. Ela precisa se sentir faltante, ou seja, um sujeito completo na sua falta. E tudo dependerá da capacidade dos adultos ao seu redor de lhe mostrar diária e lentamente que nem tudo se pode, principalmente no início do desenvolvimento, quando ainda se é muito frágil e vulnerável.;


Essa predisposição de se tornar, por fim (e no meio e mais adiante), um sujeito é um caminho esperado pelo organismo caótico do bebê, algo que o corpo anseia que ocorra. Este processo nada mais é que a imposição de um NÃO para a criança. E é um alívio porque nada é mais produtor de ansiedade e medo que ter de dar conta de uma demanda muito maior que a capacidade que se tem de enfrentá-la. Por isso, o alívio da castração. “Humm, eu já desconfiava, mas agora eu entendi que nem tudo eu posso, por isso, nem tudo eu preciso poder”, diria a criança. O limite é, al fin y al cabo, organizador.


Lembremos: a criança não sabe desses limites, mas ela pergunta por eles. Como lhe falta o recurso da linguagem, faz uso do corpo, do choro, da birra.


Por que, então, o medo do adulto de impor o limite?  Disciplinar virou sinônimo de traumatizar. Por isso, gosto de outra expressão que, na minha opinião, é mais confortável: continência. A criança nasce instinto e pulsão. Não sei traçar a diferença teórica entre esses termos, mas eles tentam explicar aquilo que nos aproxima e nos afasta dos animais. Tanto um quanto outro nascem bagunçados, desorganizados. É a intervenção externa que vai dando forma ao corpo mergulhado nesse turbilhão. Dar continência se trata disso. A continência ensina até onde o sujeito vai e, ao mesmo tempo, protege-o de tentar ir além.


Ensino + Contenção = continência. Que beleza! Então esse é o trabalho: a família é a primeira responsável em construir as bases para a formação do sujeito. E é a mais importante, pois a relação está inundada de afeto. A experiência (mais que a teoria) me mostra que a intervenção deve passar pelo vínculo, se não, ela não organiza de verdade. Por isso, em contrapartida, o trauma é tão devastador. Ele talha e aprisiona. A continência, não, ela organiza e liberta.


A escola tem a função de contribuir para esse processo. Na experiência de escola, são internalizadas noções de onde se pode ir como sujeito de uma comunidade, não mais só de um grupo de afeto íntimo. A criança, portanto, direcionará à instituição a mesma pergunta que faz aos pais: tu podes me mostrar qual é o meu limite e o que eu faço com meus conteúdos internos que eu não entendo e não controlo? Os sujeitos que dão vida à escola, os educadores, devem (e o fazem no geral) assumir seu lugar nessa caminhada com a certeza de estar fazendo o necessário. O passo seguinte, caso obtenhamos sucesso, em busca da autonomia é mostrar (e cobrar) ao sujeito que ele já conhece um tanto de até onde ele pode ir e quais as maneiras adequadas de lidar com o que é seu. O caminho até ali, porém, é longo e exige perseverança. Quem se anima?


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